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TROCANDO O CERTO PELO INCERTO

Ensinando adolescentes a viver em risco

23/09/2024 às 18h25
Por: Adrovando Claro
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Werner Heisenberg
Werner Heisenberg

Marcelo Bolshaw Gomes (*)

 Para Yuval Harari (2015 APUD ALMEIDA JUNIOR ET ALLI, 2024, p. 16), “o grande desacoplamento entre inteligência e consciência” terá enorme impacto no campo da Educação pois, “pela primeira vez na história, não fazemos ideia do que ensinaràs crianças na escola ou Universidade e aos estudantes na universidade”. Há um descompasso entre o aprendizado social e o ensino escolar permanece. Na Física Clássica newtoniana, pode-se medir simultaneamente a posição e a velocidade de uma partícula sem perturbar o seu movimento. Mas, na Física Quântica, o ato de medir perturba a partícula e modifica o seu movimento.

O princípio da incerteza, também chamado de princípio da incerteza de Heisenberg, foi enunciado pela primeira vez em 1927, pelo físico alemão Werner Heisenberg (1901-1976). Esse princípio indica que não é possível medir, simultaneamente e com exatidão, grandezas diretamente relacionadas, como velocidade e posição de um corpo (HELERBROCK, 2024).

Nas ciências humanas e biomédicas, sempre se soube que a observação afeta o comportamento do objeto observado. Um bom exemplo é um adolescente. Se for observador, ele tende a se orientar pelo olhar que o observa, pelas expectativas nele depositadas. Mas se for negligenciado e/ou manipulado diretamente, o jovem tende a fazer as escolhas e decisões contrárias às esperadas pelo observador. No entanto, mesmo com essa interferência evidente da observação, devido ao alinhamento epistemológico das ciências humanas com as exatas, a aplicação do princípio da incerteza à vida sempre foi ignorada.

Edgar Morin talvez seja a única exceção. Para ele, a superespecialização da ciência leva a sua fragmentação em vários setores que não se comunicam e apenas a teoria da complexidade[1] é capaz elaborar uma concepção de ciência mais integral e coesa; e menos destrutiva em relação ao meio ambiente e ao próprio homem. Morin acredita que diante “da crise paradigmática atual”, o professor e a escola devem “ensinar valores” e que o saber científico precisa compreender os saberes tradicionais e não simplesmente refutá-los como crenças ultrapassadas.

“A reforma do pensamento”, elaborada por Morin, seria um plano de reunificação da ciência e de mudança do ensino, começando com as universidades e depois ‘descendo’ até as escolas. Regis Debray, quando foi ministro da educação da França, no governo socialista de François Mitterrand, tentou implementar essa reforma, desencadeando uma greve geral de professores, alunos e até de sindicatos profissionais associados a áreas específicas, cujo ensino seriam subtraídas.

Algo parecido aconteceu no Brasil com o chamado “novo ensino médio”. Após décadas estudando a questão, uma comissão de especialista do MEC elaborou um plano de mudanças para flexibilizar o ensino do segundo grau. Mas, como a proposta foi identificada com a política de extrema-direita do governo Bolsonaro, levando a sua rejeição massiva por parte da comunidade educacional.

No Brasil, o ensino médio apresenta um cenário com 7.866.695 matrículas em 2022, de acordo com o Censo Escolar do Ministério da Educação (MEC), sendo que 7.080.000 matrículas (90%) na rede pública e 786.695 matrículas (10%) na rede privada[2].

Tabela 1 – Distribuição de matrículas por Região

Região

Matrículas

Percentual

Nordeste

2.258.284

28,7%

Sudeste

2.450.471

31,2%

Sul

1.231.450

15,7%

Norte:

1.004.342

12,8%

Centro-Oeste

822.148

10,5%

Fonte: Censo Escolar 2023 via IA Gemini

Desafios do ensino médio mais visíveis são: o baixo desempenho dos alunos em avaliações nacionais e internacionais, como PISA e Prova Brasil; a alta taxa de evasão (cerca de 30% dos alunos abandonam o ensino médio antes de concluir); a desigualdade social no acesso à educação de qualidade; a falta de infraestrutura em muitas escolas, sem bibliotecas, laboratórios e internet; e a desvalorização profissional dos professores, com baixos salários e condições de trabalho precárias.

E quais são as tendências do ensino médio para o futuro? O aumento do uso de tecnologias; a maior participação da sociedade civil; as novas metodologias de ensino (como a aprendizagem ativa e a gamificação); e mais foco na formação de professores, tanto na formação inicial quanto na formação continuada.

O Ensino Médio no Brasil passou por uma reforma em 2017, com a Lei nº 13.415/2017, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)[3] e definiu uma nova estrutura curricular para essa etapa da educação. As mudanças foram bastante contestadas, sob a alegação que prejudicam o corpo docente, que teriam suas horas de trabalho e salários reduzidos – o que não corresponde à verdade.

As principais mudanças do Novo Ensino Médio? O aumento da carga horária mínima anual passou de 800 para 1.000 horas distribuídas em 200 dias letivos; a Base Nacional Comum Curricular (BNCC)[4] define os conteúdos obrigatórios para todas as escolas do país, mas surgem os ‘Itinerários formativos’: Os estudantes podem escolher entre diferentes itinerários formativos, que aprofundam seus conhecimentos em áreas de interesse, além de ofertar formação técnica e profissional. Isto gera uma grande flexibilidade curricular:

A grade curricular do Ensino Médio ficou mais flexível, com a possibilidade de os estudantes escolherem disciplinas eletivas e realizarem projetos de pesquisa. A avaliação deve ser contínua, diversificada e individualizada. 

A ideia básica é a mesma: preparar os estudantes para o ensino superior e para o mercado de trabalho, mas com uma formação mais completa e flexível, que os prepare para os desafios do mundo atual. Promover o protagonismo e a autonomia dos estudantes traçarem seus próprios percursos formativos. A maior flexibilidade curricular e a oferta de formação técnica e profissional também ajudam a reduzir a evasão escolar.

Os itinerários formativos são o conjunto de disciplinas, projetos, oficinas, núcleos de estudo, entre outras situações de trabalho, que os estudantes poderão escolher no ensino médio. Os itinerários formativos podem se aprofundar nos conhecimentos de uma área do conhecimento (Matemáticas, Linguagens, Ciências da Natureza e Ciências Humanas / Sociais Aplicadas) e da formação técnica e profissional (FTP) ou mesmo nos conhecimentos de duas ou mais áreas e da FTP. As redes de ensino terão autonomia para definir quais os itinerários formativos irão ofertar, considerando um processo que envolva a participação de toda a comunidade escolar.

Esse Novo Ensino Médio pretende atender às necessidades e às expectativas dos jovens, fortalecendo o protagonismo juvenil na medida em que possibilita aos estudantes escolher o itinerário formativo no qual desejam aprofundar seus conhecimentos. Acredita-se que esse percurso formativo individualizado contribuirá para maior interesse dos jovens em acessar a escola e, consequentemente, para sua permanência e melhoria dos resultados da aprendizagem. Para tanto, é fundamental desenvolver o ‘Projeto de Vida’ dos estudantes, para que sejam capazes de fazer escolhas responsáveis e conscientes, em diálogo com suas expectativas e habilidades.

A nova proposta de Ensino Médio também permitirá que o jovem opte por uma formação profissional e técnica dentro da carga horária do ensino médio regular. Ao final dos três anos, os sistemas de ensino deverão certificá-lo no ensino médio e no curso técnico ou nos cursos profissionalizantes que escolheu.

A LDB inclui, no ensino médio, obrigatoriamente, estudos e práticas de educação física, arte, sociologia e filosofia (Art. 35-A, § 2°). Já o ensino de língua portuguesa e matemática será obrigatório nos três anos do ensino médio, assegurada às comunidades indígenas, também, a utilização das respectivas línguas maternas (LDB, Art. 35-A, §3°), independente da(s) área(s) de aprofundamento que o estudante escolher em seu itinerário formativo.

O Ministério da Educação, por meio da Portaria nº 1.145/2016 substituída pela Portaria nº. 727/2017, instituiu o Programa de Fomento à Implementação de Escolas em Tempo Integral, e a Lei nº 13.415/2017 instituiu a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral, estabelecendo um período de 10 anos para repasse de recursos às SEE.

A reforma do Ensino Médio ainda está em fase de implementação e enfrenta alguns desafios, como a necessidade de formação de professores e a adaptação das escolas à nova estrutura curricular. A desigualdade social ainda é um grande desafio para o Ensino Médio no Brasil. A taxa de evasão escolar ainda é e a reforma precisa buscar soluções para esse problema.

Outros dois desafios não contemplados são: a educação sexual de adolescentes e a mediação tecnológica do aprendizado. Na verdade, esses problemas são causas estruturais da evasão escolar e do subdesenvolvimento cultural e precisam ser abordados. Além disso, a lei do Novo Ensino Médio, no entanto, não determina que todas as escolas passem a ter o ensino médio integral, mas sinaliza que, progressivamente, as matrículas em tempo integral sejam ampliadas.

 Apesar dos desafios e problemas, o Novo Ensino Médio é um passo importante para a melhoria da educação brasileira. A nova estrutura curricular oferece aos estudantes mais oportunidades de aprendizado e desenvolvimento, e pode ajudar a preparar os jovens para os desafios do século XXI.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

HARARI, Yuval. Sapiens: Uma breve história da humanidade. São Paulo: L&PM Editores, 2015.

HELERBROCK, Rafael. "O que é o princípio da incerteza?"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/o-que-e/fisica/o-que-e-principio-incerteza.htm. Acesso em 13 de maio de 2024.

MENEZES, Luis Carlos de. Educar para o Imponderável: Uma Ética da Aventura. São Paulo: Editora Ateliê, 2021.



[1] A teoria da complexidade de Edgar Morin tem três operadores: o princípio dialógico (ou a dualidade dentro da unidade), o princípio da recursividade (ou da causalidade circular de retroalimentação múltipla) e o princípio hologramático (segundo o qual o todo também está contido em cada parte dentro do todo).

[2] Houve um aumento de 1,2% em 2022, em relação a 2021, quando o número total de matrículas era de 7.763.462. Recuperação após queda em 2021: Em 2020, o número de matrículas havia caído para 7.636.552, em decorrência da pandemia de COVID-19.

[3] A Lei nº 9394, de 31 de dezembro de 1996, denominada Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), estabelece sua regulamentação específica e uma composição curricular mínima obrigatória. O mínimo é de 2200 horas de aula ao longo de três anos. A grade curricular do ensino médio compreende as disciplinas de português (incluindo o idioma português e as literaturas portuguesa e brasileira), língua estrangeira (geralmente inglês e uma língua opcional), história, geografia, arte, matemática, física, química, educação física e biologia. Recentemente, filosofia e sociologia, que foram proibidos durante a ditadura militar (1964-1985), tornaram-se obrigatórios novamente.

[4] Base Nacional Comum Curricular (BNCC) É um conjunto de orientações que deverá nortear a (re)elaboração dos currículos de referência das escolas das redes públicas e privadas de ensino de todo o Brasil. A Base trará os conhecimentos essenciais, as competências, habilidades e as aprendizagens pretendidas para crianças e jovens em cada etapa da educação básica. A BNCC pretende promover a elevação da qualidade do ensino no país por meio de uma referência comum obrigatória para todas as escolas de educação básica, respeitando a autonomia assegurada pela Constituição aos entes federados e às escolas. A carga horária da BNCC deve ter até 1800, a carga horária restante deverá ser destinada aos itinerários formativos, espaço de escolha dos estudantes.

(*) Professor titular da UFRN, coordenador da base de pesquisa GEMINI, docente do Programa de Pós Graduação em Estudos da Mídia PPGem.
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