Valério Mesquita*
01) Há alguns anos, fui ao lançamento do livro do jornalista Paulo Augusto sobre “Zé Areia, o bufão de Natal”. Ótima iniciativa do editor Abimael Silva. Paulo Augusto com a sua verve e estilo inconfundível narra fatos pitorescos e incríveis idos e vividos pela figura de Zé Areia, lenda e legenda do humor natalense. Pesquisou e reuniu em livro tudo o que foi e representou esse “sábio” e sabichão chapliniano das Rocas, Ribeira e Cidade Alta. Esticando a conversa, Diógenes da Cunha Lima, presidente da Academia de Letras do Rio Grande do Norte, lembrou que Zé Areia tinha o hábito de entrar de fininho na casa de Câmara Cascudo, na Junqueira Aires, só para surpreendê-lo de modo bizarro ou atípico. Calçar as meias do mestre, quando se achava sentado ao birô, de pijama, datilografando seus trabalhos. Com certeza, Zé Areia, com o gesto, incluía-se, na sua “acta diurna”.
02) Certa vez, Zé Areia, cortava o cabelo da turma da penitenciária “João Chaves”, ali onde hoje é o Centro de Turismo, em Petrópolis. Trabalho árduo e perigoso. Zé suava às bicas com medo dos erros de cálculo. Baracho, Pé Seco, Lolô, entre outros lampiônicos, eram mais terríveis do que os da chuva de balas no país de Mossoró. Certo dia, casualmente, encontrou-se com o monsenhor e governador Walfredo Gurgel. Incontinenti, pediu clemência e ingressou oficialmente com petitório incomum: “Padre, me aposente logo dali que eu lhe prometo só viver dois anos!”.
03) Dos arquivos implacáveis do saudoso tabelião Raimundo Barros Cavalcante, chegou-me essa história narrada pelo seu filho Paulinho sobre o folclórico Zé Areia. Homem pobre, Zé sempre recorria aos amigos pedindo ajudas providenciais. No cartório de Raimundo ele era “mensalista”. Todo fim de mês a tabeliã substituta Dione Macêdo estava autorizada a proceder o pagamento. Zé Areia chegava de mansinho, sentava, aguardava, recebia e ia embora. Mas, em dezembro ele recebeu a ajuda e permaneceu sentado e calado. Dione curiosa, perguntou: “Seu José o que está faltando?”. Zé Areia com aquela seriedade teatral responde sem perder a calma: “O décimo terceiro”. Raimundo, consultado, mandou pagar imediatamente. Zé Areia havia ingressado solenemente na folha salarial do cartório.
04) Lembrei-me da figura poética e etílica do grande Newton Navarro, mergulhando nas madrugadas profundas das Rocas, Quintas, Canto do Mangue, sem se aguentar mais em pé, sem companhia, sem proteção, sem táxi, exposto ao perigo, naquele baixo clero. De repente, impetra um inaudito habeas corpus que só aos poetas do seu porte é dado o privilégio: chamou o carro da polícia para deixá-lo em casa. E sempre foi obedecido. Era a proteção do estado à incolumidade física e intelectual do poeta da cidade.
05) Numa conversa descontraída, perguntaram ao ex-conselheiro do TCE Manoel de Medeiros Brito qual a sua definição sobre o casamento. De bate pronto, fulmina: “uma ilusão gratulatória”. De outra feita, Afonso, um dos seus motoristas da atividade oficial, recebeu dele um apelido que exprimia fielmente o significado de suas proezas de paquerador. Afonso era baixinho, entroncado, mas era querido do mulheril funcional que beirava a menopausa. E Afonso “passava” as gordinhas, mal-amadas, pernetas, num comovente “ofício de caridade”. Sabedor de suas façanhas, Brito desfechou-lhe um apelido definitivo: “Areia de Cemitério”. Come tudo.
(*) Escritor
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