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Por que a Bélgica?

Na impossibilidade de ir para Roma, fui enviado ao Seminário de Olinda. Acatei a decisão, sem traumas e mágoas.

20/02/2025 às 10h13
Por: Adrovando Claro
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Por que a Bélgica?

Por Padre João Medeiros Filho


Indagam-me com frequência sobre o motivo pelo qual fui estudar na Bélgica.
Em 1960, o reitor do Seminário de João Pessoa, Cônego Luís Gonzaga Fernandes,
escreveu ao bispo diocesano de Caicó, indicando-me para cursar Teologia na Pontifícia
Universidade Gregoriana de Roma. O prelado caicoense, verificando as finanças da
diocese (que já mantinha um seminarista naquela instituição de ensino superior),
respondeu ao reitor: “O bispado não tem condições financeiras de arcar com mais um
aluno em Roma. Para ser vigário das paróquias desta diocese, não precisa ser graduado
na Gregoriana. Lá não estive e hoje sou bispo. Porém, se a família quiser mantê-lo às
suas expensas, nada tenho a opor.” Meu pai, ao ser consultado posteriormente,
agradeceu a honra da indicação. Disse que poderia colaborar, mas seria muito
complicado para um comerciante e produtor rural de Jucurutu – onde sequer havia
agência bancária, carteira de câmbio, telefone etc. – manter sozinho um filho estudando
na Europa. A proposta de papai não foi acolhida.


Na impossibilidade de ir para Roma, fui enviado ao Seminário de Olinda. Acatei
a decisão, sem traumas e mágoas. Almejava tornar-me sacerdote, “cura de aldeia”.
Nasci na paróquia mais simples do bispado, na qual nem sacerdote residente havia. Era
reitor do Seminário de Olinda Monsenhor Marcelo Pinto Carvalheira. Informado por
Cônego Luís sobre a minha situação, quis conversar comigo. Avisou-me que o governo
belga estava oferecendo bolsas de estudos a estudantes brasileiros. Havia vaga para o
curso de Teologia, na Universidade de Louvain. Perguntou se aceitaria o desafio e me
submeteria ao processo seletivo. Assenti que me candidataria, pois nada tinha a perder e
sim a ganhar. Em Caicó e Mossoró, entre 1952 e 1955, estudei com os padres lazaristas
holandeses. Estes descreviam como eram os Países Baixos, a Bélgica e as famílias reais.
Discorriam com entusiasmo sobre a Casa Real Belga, cujos monarcas eram católicos.
Segui as palavras do salmista: “Entrega ao Senhor o teu caminho... e Ele agirá” (Sl
37/36, 5).


Dia e hora aprazados, compareci ao Consulado Belga do Recife para os testes.
Quanto à aptidão física: saúde excelente. Fui criado com leite do curral, tapioca com
manteiga da terra, carne de sol, rapadura, cuscuz, queijos e bolachas de Jucurutu (papai
foi pioneiro na fabricação delas). Solicitaram uma redação sobre as relações entre o
Estado brasileiro e o Reino da Bélgica. Veio-me à mente o que ouvia e aprendia dos
mestres neerlandeses. Mostrei os vínculos entre a família real belga e a casa imperial
brasileira. Narrei que as dinastias de ambas: Saxe-Coburgo-Gota-Orleans (Bélgica) e
Orleans e Bragança (Portugal e Brasil) se entrelaçavam. Balduino, então Rei da Bélgica,
era bisneto da Rainha Maria José de Bragança, filha de Dom Miguel, sobrinha de Pedro
I, Imperador do Brasil. Dona Maria José era mãe de Isabel da Baviera, esposa de
Alberto I e genitora de Leopoldo III, pai de Balduino. Este, portanto, era sobrinho
trineto de Pedro I. A Princesa Leopoldina de Bragança, filha de Pedro II (e neta de
Pedro I com sua primeira esposa Maria Leopoldina, da Áustria) casou-se com o
Príncipe Luís Augusto de Saxe-Corburgo-Gota (da família dos soberanos belgas),
oficial da Marinha Alemã e almirante da Marinha Brasileira.


Continuei citando os elos entre as duas nações. Assinalei que Alberto I visitou o
Brasil durante os preparativos das comemorações do centenário de nossa
Independência. Nessa ocasião, plantou uma palmeira real no campus universitário da
Praia Vermelha. Recebeu do Presidente Epitácio Pessoa o título de “Doutor Honoris
Causa” da Universidade do Brasil (recém-criada), hoje Universidade Federal do Rio de
Janeiro – UFRJ. Concluí, lembrando que Leopoldo III abdicou do trono, em favor do
filho Balduino, vindo residir por um tempo no Brasil com a segunda esposa, Liliana
Baels. Leopoldo era apaixonado por botânica e desejava pesquisar sobre o bioma
amazônico. Aqui foram bem acolhidos. Com o resultado da seleção, recebi uma bolsa

de estudos, inclusive passagens de ida e volta. Lá, vivi oito anos acadêmicos, em dois
momentos. Hoje, direi como o poeta Virgílio: “Haec olim meminisse iubavit” (Um dia
será agradável recordar estas coisas). Sempre procurarei seguir o salmista: “Dai graças
ao Senhor, porque Ele é bom” (Sl 118/117, 1).

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