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Desmoralização das Forças Armadas

Bolsonaro deixa um legado sombrio para os militares, cada vez mais envolvidos em golpes e escândalos de favorecimento e corrupção

18/08/2023 às 14h24
Por: Adrovando Claro Fonte: Jornal do Brasil
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Desmoralização das Forças Armadas

Por LIER PIRES FERREIRA e RENATA MEDEIROS DE ARAÚJO*

Bolsonaro fez mal às Forças Armadas. Sim, é verdade que por um tempo, ele as reposicionou no epicentro do jogo político, que, para muitos militares, é o seu lugar natural. Também é verdade que lhes deu vultosos aumentos, muito acima daqueles concedidos aos civis, em particular aos funcionários do Executivo, que gramaram por mais de cinco anos sem somar um mísero centavo aos seus vencimentos. Mas, mesmo assim, Bolsonaro fez mal, muito mal às Forças Armadas.

 Ao contrário do que se esperava, em seu governo projetos estratégicos como o submarino nuclear e os caças Gripen pouco avançaram. Também não avançaram a modernização operacional das forças ou o aumento das suas capacidades de combate. Quanto à democratização de suas relações internas ou de sua formação de base, a começar pelos colégios e escolas militares, isso nem pensar. No campo da educação, somente prosperou o árido projeto das escolas cívico-militares, um simulacro de escola militar voltado para civis de baixa renda, cujo objetivo era “disciplinar” a juventude periférica e empregar militares da reserva nas escolas. Mais uma boquinha para os milicos.

 

 Mas no campo dos escândalos, há muito a comentar. Da inusitada compra de Viagras à desmoralização pública de oficiais generais (Alô, alô Pazuello!), passando pela cloroquinização da Pandemia de Covid-19, o legado de Bolsonaro para as Forças Armadas é medonho. Agora, o país acompanha atônito os múltiplos crimes atribuídos ao tenente-coronel Mauro Cid, então ajudante de ordens do ex-presidente.

 

 Mauro Cid era “pule de dez” para o generalato. Inteligente e bem preparado, vinha de uma longa linhagem de oficiais superiores, sendo neto do coronel Antônio Carlos Cid e filho do general Mauro Lorena Cid, ex-colega de Bolsonaro na Academia Militar das Agulhas Negras. Agora, depois de ser investigado por fraudar cartões de vacinação, operar um esquema de rachadinhas no Palácio do Planalto e participar da tentativa de golpe de Estado do dia 08 de janeiro, dentre outros crimes, que o fazem estar preso no Batalhão da Polícia do Exército, em Brasília, desde o dia 03 de maio, o ex-menino prodígio está novamente encrencado com a polícia. A bola da vez é o seu envolvimento com a venda de jóias e outros objetos recebidos pela presidência da República entre 2019 e 2022.

 

 A lista é grande. Canetas, anéis, abotoaduras, relógios, enfim, toda uma gama de itens presenteados ao governo brasileiro estavam sendo vendidos criminosamente no exterior. A grana era boa. Só um relógio da marca Rolex foi avaliado em mais de 60 mil dólares. Mas “Cidão” não estava sozinho nesta jogada. Segundo a Polícia Federal, ele teria como comparsas o advogado Frederick Wassef, o tenente Osmar Crivelatti e, pasmem, seu pai, o general Mauro Lorena Cid, reformado em 2019, quando passou à chefia da Apex, Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos, em Miami/EUA. Sacaram a coincidência? Pois é, será que a ocasião faz o ladrão? Bem, a se confirmarem os crimes investigados na Operação Lucas 12:2, o domingo dos pais para “pai Cid de Oxóssi” será um verdadeiro circo de horrores, afinal, de honrados militares, sua família está muito próxima de configurar uma dinastia de larápios. E aí Cid, tudo jóia?

 

 De fato, pelo andar da carruagem, assim como “Cidão”, o jovem, o velho Lorena Cid não deverá sair ileso deste episódio. O general já entrou para o imaginário popular ao ter sua imagem refletida em uma foto tirada por ele mesmo, na qual retratava uma árvore dourada presenteada ao Brasil tempos atrás. O “mimo”, lógico, também está na lista dos bens a serem criminosamente comercializados. Se antes o laureado general emparedava seus pares pedindo para que não abandonassem seu “garoto que fez uma bobagem”, fato que permitiu a Mauro Cid comparecer devidamente fardado na CPMI dos Atos Golpistas mesmo estando preso, agora parece que seu cacife diminuiu. Patético, o envolvimento da família Cid em diferentes escândalos reedita, como farsa, o bordão que imortalizou o humorista Castrinho, “ - meu garoto”, “- meu pai, pai”.

 

 No entanto, o certo é que a grande perdedora são as Forças Armadas, Exército adiante. Instituições que deveriam se portar como forças de Estado, não de governo, as Forças Armadas parecem cada vez mais imiscuídas no lamaçal da política, comprometendo sua integridade moral. Mesmo ditos “patriotas”, que clamaram por sua intervenção golpista após a vitória eleitoral de Lula, hoje criticam sua inépcia. Como qualquer país moderno, o Brasil carece de Forças Armadas bem treinadas, bem equipadas e com credibilidade para dissuadir pretensões estrangeiras sobre a nossa soberania.

 

 Tragadas de bom grado pela onde bolsonarista, movimento fascistóide comandado por um milico indisciplinado, que deveria causar repulsa em seus pares; nunca admiração, as Forças Armadas, em troca de generosos aumentos no soldo e muitos cargos para seus membros e familiares na Administração Pública, ganharam a desconfiança e o repúdio de grande parte da população. Golpes, escândalos de favorecimento e corrupção deveriam ser estranhos às Forças Armadas. Olhando a uma certa distância, o envolvimento orgânico dos militares com o governo Bolsonaro não parece ter sido um bom negócio, salvo, claro, para alguns Helenos. Afinal, não caberia às Forças Armadas cumprir o papel de asseclas fiéis que sacrificam suas próprias cabeças em honra de um falso Messias. Portanto, é esperado que o Alto Comando tenha o bom senso de retirar as Forças Armadas do noticiário político e policial, punindo na letra fria da lei todos aqueles que, egressos de seus quadros, estão de alguma forma envolvidos no rastro de destruição de reputações e expectativas deixado por Bolsonaro, há muito tido como um mau militar.

*Lier Pires Ferreira. PhD em Direito. Pesquisador do LEPDESP/UERJ.  Renata Medeiros de Araújo. Mestre em Direito. Advogada.

 

 

 

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