Padre João Medeiros Filho
Parece cada vez mais distante o tempo em que se cultivavam a civilidade e o respeito aos
outros. Não era insólito ouvir os pais orientarem seus filhos, valendo-se de conselhos e
instruções. Costumava-se nas escolas, instituições religiosas e culturais enfatizar processos
formativos para o aprendizado das normas da boa convivência e conduta. Vale lembrar que
urbanidade não consiste simplesmente em etiquetas. Implica em consciência e aceitação de que
de cada um não é absoluto. Com o decorrer dos anos, esses requisitos foram perdendo a
importância e o significado, comprometendo os princípios que garantem o relacionamento
saudável entre os cidadãos. A qualidade das relações sociais de um povo é determinante e
fundamental para o Bem ou para o Mal. Por essa razão, é importante reconhecer que o
fortalecimento da lhaneza é necessário e urgente.
Aos olhos de muitos, inclusive educadores, investir em civilidade pode parecer supérfluo
ou na contramão do mundo pós-moderno. Afinal, vive-se a época em que as subjetividades, as
“liberdades” e os direitos individuais reivindicam soberania. Constroem-se uma mentalidade e
cultura, nas quais tudo aquilo que não atende aos interesses individuais ou partidários é indevido
e, consequentemente, inaceitável. Com isso, cada um direciona seu comportamento observando
apenas suas ambições, as de seus grupos e “líderes”, desconsiderando o pensar e a vida dos
outros. Esse abandono da postura do respeito contribui para o primado do subjetivismo. Outro
dia, uma senhora desabafou na sacristia de uma igreja: “Padre, caminha-se para uma sociedade
sem lei nem limites. Até aqui na sacristia, verifica-se uma falta de cortesia, atenção,
amabilidade, diferente de Cristo que era tão amável, receptivo e terno.” Lembra o apóstolo
Pedro: “Tratem a todos com o devido respeito: amem os irmãos, temam a Deus” (1Pd 2,17).
Hoje, cada um passa a considerar-se como única norma e referência. A pessoa e o
respeito a outrem são ignorados e rechaçados nas decisões. “Ai daquele por quem vem o
desrespeito [escândalo]” (Mt 18, 7), afirmara o Mestre. A possibilidade de “cada cabeça” ser
livre para proferir “sentenças” alimenta uma perversa anomia. É o que se verifica
constantemente nas redes sociais. Com a ausência de parâmetros, cada um passa a fazer o que
bem entende. Esse é um caminho para a arbitrariedade se instalar, alimentando violência ou
desdém, subestimando a sacralidade da vida. Não cultivar a reverência aos gestos – que
garantam a convivência saudável e a cidadania – é desvanecer a percepção das diferenças e o
equilíbrio da existência humana. Esse mal atinge não apenas algumas pessoas ou segmentos da
comunidade. Alcança todos, desencadeando descompassos no âmbito da cultura e do tecido
social. Isso parece enraizado no Parlamento Nacional, que não se esforça nem preza em ser
exemplo de lhaneza e civilidade em seus debates e votações. Ali, verificam-se polêmicas
deletérias e desconstrução do outro, o culto ao ego e jamais, preocupação com o bem-estar
coletivo. Algumas reuniões dos legislativos, colegiados do judiciário ou executivo têm se
mostrado deprimentes e parecem, às vezes, uma discussão insana de desequilibrados ou
enebriados.
Diante da hegemonia das lógicas do mercado e das ideologias, torna-se difícil perceber e
considerar a influência da civilidade. Esta abrange desde pequenas atitudes aos gestos mais
significativos, capazes de configurar uma sociedade solidária e justa. Sem valorizar a lhaneza,
continua-se a conviver com situações problemáticas, a exemplo do frequente desrespeito ao bem
comum e as tendências à depredação patrimonial. Não se pode fechar os olhos diante do estilo
de vida de certas autoridades – com excesso de mordomias, privilégios e gastos abusivos
custeados pelos contribuintes – alimentando um imaginário distante da igualdade humana.
O grau de urbanidade incide também sobre o estabelecimento de prioridades coletivas,
como por exemplo, o uso honesto de recursos para promover o bem-estar de todos. Isso significa
comprometer-se com a vivência da ética, do equilíbrio das relações entre os cidadãos. Apenas
assim, será possível promover a formação de líderes, realmente capacitados para oferecer
soluções às demandas de uma sociedade mais fraterna e solidária. Respeito e responsabilidade
são fundamentais para reverter o que tanto se amarga, nos dias atuais. A pátria brasileira precisa
de civilidade. O apóstolo Paulo, pregando aos cristãos de Corinto, foi contundente: “Tudo me é
permitido, mas nem tudo edifica” (1Cor 10, 23).
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